terça-feira, 26 de agosto de 2008

O centro não é a nova estatal

25/08/08 - A partir de 2010, o Brasil se tornará exportador de petróleo - um feito inimaginável uma década atrás. É importante observar que o País alcançará o status de exportador de petróleo antes mesmo de explorar as enormes reservas da camada do pré-sal. Sem contar o pré-sal, a Petrobrás vai produzir cerca de 2,8 milhões de barris de óleo condensado por dia em 2015, segundo estimativa da empresa.

Como a demanda brasileira prevista para 2015 é de 2,3 milhões de barris de óleo ao dia, a estatal poderá vender ao exterior 500 mil barris por dia de petróleo, ou algo como 18% de sua produção total. Estimando que o preço do barril de petróleo de longo prazo fique em torno de US$ 100, o excedente exportável pela Petrobrás permitirá uma receita anual de cerca de US$ 18 bilhões, o que elevará o superávit comercial do País e ajudará a valorizar o real.

Essa realidade será potencializada com o início da exploração comercial da camada do pré-sal, onde os especialistas do mercado estimam existir algo entre 50 bilhões e 70 bilhões de barris de petróleo. Para se ter uma idéia do que isso significa, as reservas atuais do Brasil estão em torno de 14 bilhões de barris equivalentes (óleo e gás). Se as estimativas se confirmarem, o País passará a ocupar uma posição de destaque entre os 10 maiores produtores de petróleo do mundo.

Somente o campo de Tupi, onde a Petrobrás já dimensionou reservas de 5 bilhões a 8 bilhões de barris, produzirá cerca de um milhão de barris de óleo por dia, antes do final da próxima década. Em Tupi, a Petrobrás planeja instalar 11 plataformas com capacidade para produzir 100 mil barris diários cada uma. Por isso, a receita do Brasil com o petróleo poderá ser acrescida em US$ 50 bilhões ao ano ainda na próxima década.

Os economistas costumam falar da "maldição do petróleo" e de "doença holandesa" quando se referem aos efeitos negativos que as receitas dos recursos naturais podem ter sobre toda a economia de um país. Na década de 1970, o preço do gás natural apresentou substancial elevação. Como era um grande produtor de gás, a Holanda viu suas receitas aumentarem muito, o que provocou forte valorização da moeda local (na época, o florim). A valorização cambial afetou as outras exportações holandesas, pois os seus produtos perderam competitividade.

O petróleo também é chamado de "maldito" porque os grandes produtores mundiais nunca conseguiram desenvolver as suas indústrias, nem mesmo aquela relacionada à atividade. O risco que o Brasil corre, portanto, é de que as grandes receitas com o petróleo resultantes da exploração da camada do pré-sal valorizem o real e, com isso, as demais atividades industriais sejam desestimuladas. O medo é que ocorra uma desindustrialização do País.

Mas a "doença holandesa" não é uma fatalidade para os países ricos em recursos naturais. Ela pode ser evitada, como mostrou a Noruega. O governo brasileiro namora o modelo norueguês de exploração de petróleo, que usa uma empresa 100% estatal para administrar os recursos de suas reservas. Aquele país também tem uma empresa de economia mista (a Statoil), nos moldes da Petrobrás. O debate no Brasil passou a ser em torno da criação de uma empresa estatal, quando isso não é o mais importante.

Depois que descobriu as imensas reservas do mar do Norte, a Noruega conseguiu desenvolver sua indústria ligada ao petróleo, com base na proteção governamental aos setores industriais domésticos responsáveis pelo fornecimento de equipamentos, como mostrou a série de reportagens do jornalista Sérgio Gobetti, publicada pelo Estado.

O governo da Noruega obrigou os operadores privados dos campos de petróleo a usar fornecedores noruegueses de equipamentos nas diversas fases de desenvolvimento e produção. Uma pequena ilha habitada por pescadores descendentes de vikings, chamada de Fosnavag, tornou-se um dos principais centros de construção de navios e embarcações usadas na extração de petróleo.

É essa questão que deve estar no centro do debate em torno das reservas de petróleo do pré-sal. O desafio brasileiro é desenvolver a sua indústria ligada ao petróleo. "O Brasil precisa fortalecer sua indústria naval e de equipamentos para a exploração do petróleo, ao mesmo tempo em que amplia a sua capacidade de refino", sintetizou o economista Júlio Sérgio Gomes de Almeida, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda e atual consultor do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).

A produção de embarcações, de sondas e demais equipamentos para a exploração e refino de petróleo vai dar um impulso considerável, lembrou Gomes de Almeida, à indústria siderúrgica brasileira e à indústria de bens de capital. Segundo ele, o Iedi vai apresentar sugestões ao governo. "É preciso reabrir a discussão sobre a política industrial, na perspectiva de exploração do pré-sal", defendeu.

Para ele, o governo precisa oferecer apoio financeiro aos empreendimentos por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e conceder incentivos fiscais, que possam atrair os investidores estrangeiros. "A política para a indústria do petróleo precisa se antecipar a qualquer decisão sobre o pré-sal", aconselhou.

Ribamar Oliveira
Fonte: O Estado de S. Paulo

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