quinta-feira, 16 de outubro de 2008

O Brasil do pré-sal

16/10/08 - Nas últimas semanas, o pré-sal tornou-se o assunto da moda. Só se fala no pré-sal, todos conhecem, todos têm a solução e todos sabem onde buscar os recursos e como aplicar essa riqueza que Deus deu ao Brasil. Isso lembra a seleção brasileira de futebol. Todos os brasileiros são técnicos, do presidente ao mais humilde cidadão. É aí que reside o perigo. Porque nem todos nós conhecemos futebol a ponto de escalarmos o melhor time, nem tampouco possuímos a capacidade de dar a melhor solução a um assunto da complexidade do pré-sal. E por que isso ocorre? Porque no Brasil a meritocracia está cada vez mais sendo deixada em segundo plano, em favor das discussões estritamente políticas e ideológicas. Daí o que se vê são pessoas despreparadas tecnicamente e com muito pouca experiência sobre o assunto dando opiniões como se fossem especialistas tanto em pré-sal como em seleção brasileira. Conclusão: foi um vexame o resultado da seleção brasileira na Olimpíada da China e corremos um enorme perigo de que o pré-sal, em vez de ser um presente de Deus, seja obra do diabo.

Para que isso seja evitado, é preciso tomar algumas providências de imediato. A primeira é sermos menos ufanistas. A segunda é nosso presidente ser menos populista. E, por fim, tratarmos esse assunto com mais cautela e precaução. Ou seja, vamos deixar de lado a discussão política e ideológica e substitui-la por uma mais técnica. Para transformar o pré-sal de potencial em verdadeira riqueza, vamos ter de enfrentar dois grandes desafios. O primeiro é o desafio tecnológico. A profundidade em que se encontram os reservatórios de petróleo fará com que a exploração dos campos do pré-sal seja um dos maiores desafios tecnológicos já enfrentados pelas empresas de petróleo. Um dos principais problemas é em relação à composição geológica das áreas a serem perfuradas. Após uma lâmina de água de 2 mil metros de profundidade, é preciso perfurar uma camada de mais 2 mil metros de rochas, e depois ainda mais 2 mil quilômetros de sal. Segundo técnicos, a esse nível de profundidade existe uma pressão intensa e o sal possui características fluidas que dificultam enormemente a perfuração. Outra barreira tecnológica são os dutos que conectam as unidades de produção até as plataformas. Esse talvez seja um dos maiores obstáculos a serem superados. Os dutos precisam ser muito leves, já que serão carregados por navio ou plataforma a que estiverem conectados e terão que resistir a anos de correnteza e corrosão resistindo à presença de dióxido de enxofre que se encontra na camada pré-sal. Enfim, as empresas petrolíferas, incluindo a Petrobras, que talvez seja a mais bem preparada, terão uma tarefa nada fácil para extrair o petróleo da camada do pré-sal de maneira economicamente viável.

O segundo desafio é de ordem econômica. Como e onde conseguir o dinheiro para transformar o pré-sal em riqueza. Os investimentos necessários, calculados por bancos e por inúmeros especialistas, são astronômicos. Variam de US$ 600 bilhões a um US$ 1 trilhão nos próximos 30 anos. Essa variação depende dos volumes de petróleo que poderão ser extraídos. As estimativas são de 50 bilhões a 100 bilhões, a um custo de capital da ordem de US$ 12 por barril. Isso significa de 40% a 60% do PIB brasileiro. Mas, ao invés de estar preocupado em dar solução a esse desafio, o governo fica preso ao discurso de que é preciso garantir que o petróleo do pré-sal, que ainda não existe, seja do povo brasileiro. Dentro dessa linha, propõe a criação de uma nova estatal, recursos para educação, resgate de dívidas sociais, dentre outras promessas políticas. Colocaram o pré-sal no palanque. Para o benefício de todos, é urgente retirá-lo de lá.

O primeiro passo é manter o atual marco legal. Nunca é demais lembrar que, com esse marco legal, a Petrobras alcançou recordes de produção e lucro. Investiram no país cerca de 71 empresas privadas, o país tornou-se auto-suficiente e o campo de Tupi foi descoberto. O atual regime jurídico de concessões dá maior garantia aos investidores, permite parcerias e é o mais transparente no que se refere à captação e distribuição da renda petrolífera que fica em poder do Estado brasileiro. Sendo esse regime jurídico o mais adequado, não tem o menor fundamento econômico, nem tampouco estratégico, a criação de uma nova empresa estatal. A única motivação que enxergamos é a política. Com a estatal, o governo teria mais liberdade de gastar a riqueza do pré-sal em projetos políticos. A nova estatal faz parte de um projeto de poder do atual governo e, com certeza, o pré-sal será um dos grandes temas da próxima eleição presidencial. Quando o governo afirma que se baseia no modelo da Noruega para a criação da nova estatal, tenta nos seduzir com um exemplo de país que possui uma realidade que todos desejamos para o Brasil. No entanto, as declarações lembram mais o modelo venezuelano do que o norueguês. As propostas que fazem sentido são o aumento das participações especiais e capitalizar a Petrobras. A idéia de não utilizar a Petrobras para atingir as metas do superávit primário é boa. É correto, também, o governo adiar as licitações do pré-sal, enquanto não existirem maiores informações de ordem técnica e econômica.

Vamos discutir o pré-sal em etapas. Primeiro, vamos investir no conhecimento tecnológico, na construção de modelos que financiem os investimentos e na segurança regulatória, mantendo o atual regime jurídico de concessões. Depois, vamos discutir a melhor sistemática para distribuir toda essa riqueza para a sociedade brasileira. Com menos politização e menos ideologia, com certeza o pré-sal poderá transformar para melhor o Brasil.


Adriano Pires
Fonte: Gás Net

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